Olá queridos leitores!
Sei que já escrevi sobre o papel da Doula no cenário obstétrico, mas não custa lembrar, visto que, existem ainda muitas dúvidas em relação a nossa função.
Doula não faz parto! Doula não faz procedimentos médicos! Doula não é parteira!
Vamos lá… Dá uma olhada neste vídeo bem explicativo.
O que é uma doula?
A palavra doula vem do grego aquela que serve. E é bem esse o propósito de uma doula: servir. É um trabalho onde nos colocamos a serviço da mãe e de seu companheiro (a) para que, principalmente, o trabalho de parto seja o mais tranquilo possível.
Hoje usamos o termo doula para descrever uma acompanhante de parto experiente e treinada que fornece à mulher e seu companheiro (a) um suporte emocional contínuo, conforto físico e assistência em obter informação antes, durante e após o parto.
O que faz uma doula?
- compreende a fisiologia do parto e as necessidades emocionais de uma mulher em trabalho de parto;
- auxilia a mulher e seu parceiro(a) a realizarem seus planos para o parto;
- permanece ao lado da mulher em trabalho de parto durante todo o processo;
- fornece apoio emocional, medidas de conforto físico (massagens, água, posturas, etc) e auxilia a mulher a adquirir a informação que ela precisa para tomar suas decisões a respeito de como, com quem e onde parir;
- facilita a comunicação entre a mulher em TP, seu parceiro (a) e a equipe que à assiste;
DONA International Birth Doula Manual
Por que ter uma doula?
A doula pode ajudar a amenizar os desconfortos que o trabalho de parto trás com seu conhecimento e confiança no processo.
Recentemente foi publicado um estudo de Hodnett e colaboradores (2014), o qual consiste a maior e mais relevante revisão sistemática sobre suporte contínuo ao parto, que resume a experiência de mais de 15 mil mulheres que participaram de 21 estudos randomizados. Os autores concluíram que o suporte contínuo durante o TP possui benefícios clínicos significativos para mulheres e recém nascidos e não causa prejuízo algum, e que todas as mulheres deveriam ter apoio de uma doula durante o trabalho de parto.
O estudo concluiu também que, mulheres sem o suporte contínuo apresentaram trabalhos de partos mais longos e apresentaram menos partos espontâneos (sem o uso de fórceps e sem necessidade de cesariana), e que as mulheres sem o apoio contínuo fizeram uso da peridural ou algum analgésico para lidar com a dor; fizeram uso de medicação para dor (incluindo narcóticos); necessitaram de vácuo extrator ou fórceps; pariram um bebê com escore de Apgar mais baixo após 5 minutos do parto; não se sentiram satisfeitas com sua experiência de parto.
A revisão observou também que as mulheres acompanhadas por doulas, que não eram da equipe hospitalar, apresentaram 28% a menos de chance de passar por uma cesárea; 31% a menos de chance de usar ocitocina sintética para acelerar o parto; 9% a menos de chance de usar medicação para dor e 34% a menos de chance de considerar a experiência de parto negativa.
O suporte oferecido por uma pessoa que a mulher selecionou de seu círculo social (por exemplo, seu parceiro, marido, amiga ou outro membro da família) aumentou a satisfação em relação ao parto mas não teve impacto no que tange às intervenções obstétricas (Hodnett et al. Continuous support for women during childbirth. Cochrane Database Syst Rev. Author manuscript; available in PMC 2014 September 25. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4175537/pdf/emss-58484.pdf
O apoio pós-parto de doulas ajudou as mulheres a amamentar por mais tempo, não importando a opinião da doula a respeito da amamentação. Esse estudo, que observou 40 mulheres de baixa renda, mostrou que mulheres que tiveram apoio pós-parto de doulas, amamentaram por quase o dobro do tempo em relação a mulheres que não obtiveram esse apoio (Barron SP, Lane HW, Hannan TE, Struempler B, William(s JC. Factors influencing duration of breast feeding among low-income women. J Am Diet Assoc 1988 Dec 88:121, 557-61).
Berry (1988) observou que pais estão quase sempre muito estressados e emocionalmente envolvidos na experiência do parto para darem suporte eficiente (em inglês, o termo usado é “labor coaches”). Esse estudo observou o comportamento de 40 pais durante o trabalho de parto de suas esposas. Eles apenas auxiliaram nos exercícios respiratórios durante o pico do trabalho de parto. Os pais perderam mais tempo tentando disfarçar seus sentimentos e se preocupando com sua falta de utilidade, o que pode demonstrar que a Doula tem um papel bem específico no suporte intra parto, deixando assim o pai ser também o protagonista, deixando que ele possa apenas estar ali para se fazer presente e, se for o caso, apenas segurar a mão da parturiente (Berry L M. Realistic expectations of the labor coach. Journal of Obstetric, Gynecologic and Neonatal Nursing. Sept/Oct:354-55).
Em outro estudo na Cidade do Mexico, as mulheres que tiveram doulas sentiram que foram mais acolhidas pela equipe do hospital, entenderam melhor as informações passadas, tiveram maior senso de controle e sentiram-se melhor a respeito delas mesmas e em relação ao parto (Campero L, García C, Díaz C, Ortiz O, Reynoso S, Langer A. ”Alone, I wouldn’t have known what to do”: a qualitative study on social support during labor and delivery in Mexico. Soc Sci Med 1998 Aug 47:3 395-403).
Na revisão de Chalmers e colaboradores (1993) a presença das doulas, treinadas ou não, mostrou-se melhor do que aquele oferecido por pais, equipe profissional médica, família ou amigos (Chalmers B; Wolman W, 1993. Social support in labor–a selective review. J Psychosom Obstet Gynaecol 1993 Mar;14(1):1-15).
Em um estudo randomizado que envolveu 264 partos, mostrou que mulheres atendidas por doulas durante o trabalho de parto tiveram significantemente menos uso de anestesia peridural e estiveram mais significantemente propensas a avaliar sua experiência de parto como boa do que as mulheres que não foram atendidas por doulas. Esse dado por nos fazer pensar que a função da doula pode gerar economia ao sistema, utilizando menos tempo de internação (como ressalta Hodnett, 1999), menos utilização de materiais entre outros (Gordon NP, Walton D, McAdam E, et al. (1999) Effects of providing hospital-based doulas in health maintenance organization hospitals. Obstetrics and Gynecology. 93(3): 422-6).
Um estudo conduzido por Hodnett (1999), onde foram analisados quatorze experimentos clínicos, o que contou com mais de 5000 mulheres, foi observado que a presença contínua de uma pessoa encarregada de apoio/suporte (incluindo enfermeiras, obstetrizes, preparadoras de parto, doulas, amigos ou membros da família), reduziram as chances de episiotomia, cesárea, Apgar de 5 minutos menor que 7 e medicação para alívio da dor e também foi associado com ligeira redução na duração do trabalho de parto. (Hodnett ED. (1999) Caregiver support for women during childbirth. Cochrane Library of Systematic Reviews. Electronic edition. May 17, 1999).
Outro de estudo de Hodnett e Osborn (1989) observou que mulheres atendidas no trabalho de parto por uma monitora perinatal (doula) usaram menos medicamentos e lembram de ter recebido mais suporte físico e emocional durante o trabalho de parto do que aquelas atendidas apenas por enfermeiras do hospital. Essas mulheres também tiveram maior taxa de períneos intactos (Hodnett ED; Osborn RW, 1989. A randomized trial of the effects of monitrice support during labor: mothers’ views two to four weeks postpartum. Birth 1989 Dec;16(4):177-83). E esses mesmos autores no mesmo ano, observaram que o suporte contínuo, uma-pra-um, durante o trabalho de parto, ajuda as mulheres a terem menos episiotomia, menos medicação para alívio da dor e maior senso de controle sobre seus partos (Hodnett, ED and Osborn RW. 1989. Effects of continuous intrapartum professional support on childbirth outcomes. Research in Nursing & Health 12(5):289-297).
É necessário que se compreenda que a função da Doula é única e exclusiva, e os estudos evidenciam a importância de termos essa profissional em uma sala de parto. Não é só uma questão de humanidade, de respeito e de amor, é também uma questão de economia, de rapidez, de agilidade, para àqueles olhares mais técnicos e objetivos. A Doula pode sim reduzir custos, agilizar processos e tempos de internação, enfim, pode ser vista como uma função que venha a agregar e não para causar discórdia ou concorrência. Temos uma função única e específica. Todos somos importantes.
E os estudos não param por aí. Hofmeyer e colaboradores (1991) identificaram que mulheres que receberam suporte emocional durante o trabalho de parto por voluntárias sem experiência em enfermagem apresentaram menor pressão sanguínea diastólica, menos uso de analgesia e menor ansiedade durante o trabalho de parto. Elas amamentaram por mais tempo e com intervalos mais flexíveis (Hofmeyer, G.J.; Nikodem, V.C.; Wolman, W.L. ” Companionship to Modify the Clinical Birth Environment: Effects on Progress and Perceptions of Labour and Breast Feeding.” British Journal of Obstetrics and Gynaecology 98(1991): 756-764).
Outro estudo muito citado identificou uma redução de 50% nas taxas de cesárea, parto a fórceps (40%), requisição de peridural (60%) ou outros medicamentos para dor (40%), duração do trabalho de parto (25%) e necessidade de ocitocina (50%) (Kennel, J.H.; Klaus, M.H.; McGrath, S.K.; Robertson, S.S.; Hinkley, C.W. “Continuous Emotional Support during Labor in US Hospital.” Journal of the American Medical Association 265(1991): 2197-2201).
Uma outra revisão de literatura e meta-análise de onze estudos que tiveram a participação de doulas, mostrou que as doulas ajudaram as mãe primíparas a terem trabalho de parto mais curto, usarem menos medicação, terem menos intervenções operatórias e menos cesáreas e também que as mulheres amamentaram por mais tempo, tiveram maior auto-estima, menos depressão, estavam mais felizes com seus bebês e sentiram-se mais aptas a cuidar deles. Quando doulas estavam presentes, os pais ofereceram um suporte mais pessoal à mulher em trabalho de parto (Klaus MH, Kennell JH. The doula: an essential ingredient of childbirth rediscovered. Acta Paediatr 1997 Oct 86:10 1034-6.). Ou seja, a presença de doulas na sala de parto estende os benéficos para além dela, o que torna essa função de suma importância nos dias e meses que seguem o nascimento e puerpério, visto que, as doulas também ofertam esse apoio pós parto não imediato. Onde as doulas acompanham a puérpera e o bebê, nas necessidades imediatas pós nascimento e parto, como amamentação, algo que as mães temem não conseguir; assim como a doula dá um certo respaldo emocional para a recém mãe.
Seguindo nessa linha de benefícios pós parto não imediato, um outro estudo mostrou que mãe primípara que tiveram doulas apresentaram melhor “maternagem”, mesmo se comparadas àquelas que tiveram aulas de preparação para o parto, como Lamaze. Elas demonstraram melhores estratégias de cuidados, mais segurança, menos estresse emocional do que mulheres que não tiveram doulas durante o parto (Manning-Orenstein G. A birth intervention: the therapeutic effects of Doula support versus Lamaze preparation on first-time mothers’ working models of caregiving. Altern Ther Health Med 1998 Jul 4:4 73-81), ou seja, mais uma vez evidencia-se que os benefícios da presença de uma doula vão além da sala de parto. Na Cidade do México, um experimento clínico de 1998 disponibilizou a algumas mulheres primíparas uma doula para uma parte do trabalho de parto (quando a dilatação alcançou 6 cm). Essas mães tiveram trabalhos de parto mais curtos, amamentaram por mais tempo e disseram se sentir mais no controle de suas experiências de parto (Langer, A.: Campero, L.: Garcia, C.; Reynoso, S. ” Effects of psychosocial support during labour and childbirth on breastfeeding, medical interventions, and mothers wellbeing in a Mexican public hospital: a randomised clinical trial.” British Journal of Obstetrics and Gynaecology 105(1998): 1056-1063).
A doula tem uma função bem específica, como já foi mencionado, que é dar apoio a parturiente, fazer o que ela precisar, e só pra ela. Os demais integrantes da equipe em sala de parto, têm funções bastante específicas, e, não podem deixar de faze-las para atender a parturiente que, por exemplo, pede uma contra pressão sacral durante uma contração, a enfermeira, por exemplo, não pode ausentar-se de suas funções, por isso a doula está ali, para cumprir esse papel que faz muita diferença em um trabalho de parto. Um estudo em Toronto mostrou o tempo médio que as enfermeiras passam junto a parturiente, seja oferecendo apoio emocional, medidas de conforto físico, instruções, informações. A proporção de tempo utilizada para tarefas de apoio em comparação às outras atividades foi de 9.9%. (McNiven, P, Hodnett, E, O’Brien-Pallas, LL. 1992. Supporting women in labor: a work sampling study of the activities of intrapartum nurses. Birth 1992 Mar;19(1):3-9). Ou seja, a doula fica ali 100% de tempo atendendo as solicitações da mulher.
No Brasil, a ocupação de doula foi reconhecida em 31/01/2013 na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) pelo Ministério do Trabalho na condição de tecnólogos e técnicos em terapias complementares e estéticas, sob o número 3221-35.
Algumas cidades brasileiras já têm garantida a presença das Doulas em hospitais públicos e privados, casas de parto e etc, são elas: João Pessoa, Jundiaí, Sorocaba, Blumenau, Rondonópolis, Brasília (apenas doulas voluntárias) e Gravataí. Está em trâmite PLs no Estado de São Paulo, nas cidades de Belo Horizonte, Campinas e Capão da Canoa, entre outras. Porto Alegre só vem a agregar a esse roll de cidades que estão avançando no cenário obstétrico brasileiro, que pede por mudança, as quais são corroboradas pelo Ministério da Saúde. Porto Alegre deve dar um belo exemplo, acolhendo esse PL, acolhendo as doulas, promovendo uma assistência com maior qualidade no atendimento e baixos custos .
Quando pensamos em termos de investimento pelo Governo Federal, os hospitais que atingirem as metas, por exemplo, de redução no número de cesáreas, estabelecidas pelo Ministério da Saúde, podem receber mais verba por atingirem tais critérios, e isso só faz com que nossa presença seja um fator positivo, tendo em vista que a literatura evidencia que a doula ajuda muito nessa redução de partos cirúrgicos e intervenções hospitalares.
Dizer, em 2015 que sua função não é importante, ou que não podemos estar presentes numa sala de parto é negar a ciência, é negar evidências. Nosso objetivo é somar, agregar à equipe de atendimento ao parto nos hospitais, como a figura que nesse cenário está preocupada exclusivamente com o bem-estar físico e emocional da mulher. Todos somos importantes neste cenário que é o nascimento.